Notas sobre a elaboração de textos acadêmicos
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Breves notas sobre estrutura e forma de publicações científicas e acadêmicas
Por Nery dos Santos de Assis*
Este texto não tem a pretensão de ser um manual, muito menos de ser única referência utilizada na confecção de um trabalho científico, seja por sua brevidade ou por sua extensão de análise. Assim, quem tiver acesso a este texto, não se esqueça que é imprescindível que a ele não se atenha, mas que dentro das possibilidades, se socorra das indicações apresentadas nas Referências de Leitura ao seu final, para aprofundar no tema aqui apresentado, pois lá certamente será encontrado material mais adequado e necessário para a construção de seu próprio entendimento sobre o assunto.
Trata-se aqui de um breve comentário, em linhas mais que gerais, sobre alguns breves apontamentos, ou seja, o texto trata de anotações quase que pessoais de prática de pesquisa. Têm mais o sentido de recordar alguns caminhos, que podem ser tomados quando se pára a fim de escrever e/ou elaborar/produzir um texto na Universidade.
Assim, já cientes da precariedade deste material, podemos seguir com alguns destes apontamentos.
Já de início, cabe ressaltar algumas das diferentes formas de apresentação de um trabalho científico ou acadêmico.
Os trabalhos Monográficos mais comuns são as Dissertações (trabalhos de conclusão de mestrado), Teses (contribuições originais ao conhecimento científico acumulado, sendo as conclusões dos trabalhos de Doutoramento, Pós-doutoramento, Livre Docência e Concursos para Titularidades – estes dois apenas nas Universidades Estaduais Paulistas USP, UNICAMP e UNESP – e Cátedras, hoje já em desuso) e das Monografias em sentido estrito, para conclusões de MBA, Especializações, de Graduações e Licenciaturas, já de conhecimento desde a graduação. Mas além destes trabalhos cujo conhecimento é dado nas disciplinas de Metodologia do Trabalho Científico, ventilados nos cursos de Graduação e Licenciatura, existem outras formas de publicações para trabalhos Científicos e Acadêmicos, com funções, formas, objetivos e em parte nas estruturas distintos destes vistos à cima.
Quando se trata de um trabalho de menor densidade teórica ou de trabalhos para publicações em espaços menores, pode-se destacar duas formas principais de textos que se tornam em espécies de produções acomodadas nesse gênero de divulgação, são elas: o Artigo/Paper e o Ensaio.
No Ensaio temos um texto breve e leve, como um vôo panorâmico sobre o assunto sob análise, há que se destacar de outro lado, que o Ensaio assume na cultura acadêmica do século XX, a forma privilegiada de se produzir ciência no ocidente.
No período anterior os autores escreviam Tratados sobre determnados assuntos pesquisados, os tratados tinham por finalidade esgotar um determinado assunto, levar a discusão à exaustão. No século XX, os cientistas se deram conta que a cobertura de todo e qualquer objeto de forma completa e absoluta não estava mais ao alcance. Assim, a produção dos textos acadêmicos migrou em sua forma principal de Tratado para o Ensaio de pesquisa. Sendo esta a forma predominante ainda hoje na veiculação de pesquisas e divulgação do conhecimeno científico. Assim, de certa forma, o Ensaio é um gênero do qual o Artigo ou Paper é especie assim como o ensaio em sentido mais estrito, como passamos detalhar.
Num senso mais específico, o Ensaio assume outro significado, que é ser um texto mais livre e interpretativo, como o próprio nome adverte, o ensaio é algo que vem antes do texto e dos resultados definitivos da pesquisa, está na superfície do dado, do fenômeno. Sua pretensão não é a de ser definitivo ou contundente, pois não se chega, nem tão pouco se pretende chegar, à essência do fenômeno analisado.
Para alguns autores o Ensaio é um “quase” gênero literário, que abre a oportunidade para o autor discorrer sobre determinado tema por ele estudado ou inaugurado, sem que sobre este se atenha com maior profundidade, mas sim, deste somente dê indícios, idéias que podem vir a ser objeto de investigações futuras. Nesta forma de texto o autor deixa algumas pistas ao estudioso que o lê sobre caminhos a percorrer, temas a estudar, mundos a descobrir sobre o assunto objeto de sua análise.
No Artigo ou Paper, a estrutura é mais fechada, mesmo sendo ambos idênticos e se não idênticos, muito parecidos na forma.
A estrutura de um Artigo é em síntese a junção da Introdução e da Conclusão(ões) de uma Pesquisa ou Trabalho Monográfico (de Graduação-Monografia, Mestrado-Dissertação ou Doutorado-Tese) pronto e acabado.
A função do Artigo também é outra.
Enquanto no Ensaio o objetivo é introduzir o leitor a um tema, em que o próprio autor optou por não se aprofundar, por simples escolha ou por impossibilidade; o Artigo tem a função de divulgar os resultados de uma pesquisa pronta e acabada, expondo seus pontos de partida sobre o dado concreto analisado, referencial teórico (método) e metodologia(s), técnicas de pesquisa quantitativa ou qualitativa, utilizados na construção dos resultados, bem como a articulação entre os argumentos iniciais da hipótese e suas verificações, seguidas das conclusões obtidas pelo pesquisador ao final do trabalho para compreensão, exposição ou resolução do problema.
Enfim, a partir destas breves diferenciações e municiados destas informações, pode-se introduzir um resumo explicativo sobre a estrutura de um trabalho Acadêmico, que segundo nosso ponto de vista e experiência, pode vir a ser construído obedecendo a uma estrutura que se assemelhe à sugestão que se segue, contendo pelo menos os seguintes itens em seu conteúdo:
1º- Tema:
O tema pode ser entendido como o objeto específico submetido à análise do pesquisador. É o fenômeno sobre o qual se debruçará de forma investigativa para descobrir suas Contradições, sua estrutura Funcional ou desenvolver sua Compreensão.
Há que se ter em mente que um Tema sempre deverá ser estudado dentro de seu contexto Histórico e Social, o que remete necessariamente ao cumprir da regra metodológica da Enumeração que prescreve a cobertura total da bibliografia sobre o objeto analisado. Assim o Tema sempre fará parte de um campo de estudo mais amplo que é o Assunto investigado, sob pena de se tornar descontextualizado e se perder em meio a discussões teóricas já acabadas ou pior, sem qualquer apoio na realidade concreta.
2º.- Título:
O título é o nome do texto dado por seu autor, em regra é uma síntese da idéia chave do texto, relacionada ao problema que se busca conhecer de forma mais profunda. Pode, porém seguir critérios diversos, pois é pessoal e o autor que o decide de acordo com suas inspirações pessoais.
3.º- Problema ou Hipótese:
O Problema é o que se busca conhecer, o que é efetivamente estudado, a indagação fundamental à qual o texto procura responder, materializa-se na hipótese inicial do texto.
O conhecimento científico se desenvolve a partir de Problemas ou Hipóteses e é a dúvida e a curiosidade que impulsionam seu desenvolvimento.
Assim, o problema é a principal idéia a ser desenvolvida em uma pesquisa, é dela que o pesquisador parte para sua busca em direção ao esclarecimento, mediante uma problematização, investigação, descrição ou de outra forma metodológica que venha utilizar para elaboração de seu estudo e construção de seus resultados.
Neste sentido há que se observar que um trabalho não precisa ter apenas uma hipótese, ou seja, é possivel que um trabalho tenha hipóteses de estudo.
4.º- Metodologia:
A Metodologia consiste nos procedimentos técnicos utilizados para elaboração da pesquisa, ou construção dos Resultados, ex. Estudo de caso, Pesquisa Bibliográfica, Pesquisa Documental, Pesquisa de Campo, Etc.
A Metodologia é um conjunto de técnicas de pesquisa nas quais o pesquisador deve ser treinado.
Como qualquer técnica exige a prática para seu aperfeiçoamento, a análise de uma entrevista, por exemplo, exige do entrevistador uma longa prática ou um treinamento eficaz para que este perceba quando o entrevistado procura falsear suas respostas tentando responder de acordo com a percepção do entrevistador.
As pesquisas poderão ser classificadas de acordo com as metodologias utilizadas em Quantitativa (grandes bases de amostragens para a construção de estatísticas, pesquisas mais objetivas) ou Qualitativas (pesquisas que privilegiam uma forma de investigação mais detalhada com maior número de variáveis controladas e menor número de coleta de dados para análise).
Ainda poderão ser Quali-quantitativas metologia híbrida que considera ambas as abordagens. Neste sentido, para pesquisas de matriz analítica é fundamental o estudo de técnicas específicas de pesquisa, de análise estatísticas, e há que se observar que, quanto mais rica, rígida e detalhada a metodologia utilizada, mais rico será o resultado da pesquisa. Há que se ter o cuidado também em relação a seleção da metodologia e o objeto a ser estudado, cada objeto pode ter uma metodologia que lhe é mais própria ao estudo.
5.º- Método:
O método diferentemente da metodologia é o conhecimento no qual se pauta o pesquisador como Referenciais Teóricos da pesquisa. Na questão do método encontramos a epistemologia (conhecimento que vela pela validade do método científico e sua aplicação, é filosofia do conhecimento e ou da própria filosofia). Todo conhecimento científico só será considerado como ciência se obedecer a um parâmetro metodológico e ao seu Estatuto Epistemológico.
Assim, um texto deve se remeter para controle dos procedimentos e garantia de validade do conhecimento obtido, a um referencial teórico, para que se possa reconstruir o raciocínio do autor pela bibliografia e dados analisados.
O Método em síntese pode ser entendido com base na resposta de qual o estatuto epistemológico referencial do trabalho, vg.: Dialética ou Crítica (referencial marxista), Causação Funcional (referencial durkheimiano), Conexão de Sentidos (referencial weberiano), Teoria Crítica (Escola de Frankfurt), Ação Comunicativa (Jügen Habermas), Genealogia (Michel Foucault), Existencialismo (Jean Paul Sartre), Análise Semiótica ou Semiológica (de Charles Sanders Peirce da Escola Norte Americana ou de Saussure e o Circuito de Viena) e etc.
6.º Desenvolvimento:
O desenvolvimento é na realidade o Corpo Discursivo no qual deverão ser encontrados todos os itens anteriores articulados na construção do raciocínio e argumentos utilizados pelo pesquisador em seu trabalho.
O desenvolvimento deverá ser composto por uma Introdução, um Desenvolvimento das ideais em forma de Tópicos, Itens ou Capítulos e por fim uma Conclusão.
I – Introdução
Deverá contemplar os seguintes quesitos:
- Introduzir o tema apresentando sua relevância, seu contexto e seu grau de desenvolvimento atual na ciência e na história;
- Apresentar o Problema, delimitando bem a Hipótese Objeto de pesquisa;
- Sintetizar em um parágrafo qual(is) a(s) Metodologia(s) utilizada(s) e qual será o Método utilizado pelo pesquisados. (Há que se ter em mente que poderão ser utilizadas diversas metodologias, porém apenas um Método (referencial teórico e epistemológico) poderá ser utilizado, sob pena de invalidade teórica, texto se tornará meramente Interpretativo sem Cientificidade);
- Apresentar sinteticamente os argumentos – itens – que farão a composição do corpo do texto – desenvolvimento – situando sua estrutura de organização com fundamentos nas Metodologias e no Método utilizado;
II – Desenvolvimento
O Desenvolvimento é composto pelo corpo dissertativo dos argumentos e pesquisas elaborados pelo pesquisador.
Pode ser feito em forma de Tópicos, de Itens ou de forma Capitular. Esta também é uma opção dada ao autor que pelo bom senso deverá acomodar suas idéias de acordo com a espécie de texto que escreve. Ex. não utilizar capítulos em um Artigo, dada a brevidade deste é de um tom dividi-lo em capítulos, pois estes seriam demasiadamente pequenos.
O desenvolvimento é a parte mais substancial do texto e poderá ser dividido de várias formas de acordo com a estrutura de raciocínio dada ao tema pelo pesquisador.
III – Considerações Finais do Autor
Ou simplesmente, Conclusões, é composta pela exposição pessoal e fundamentada teoricamente sobre os resultados da pesquisa e posicionamento pessoal dos autores frente ao tema estudado.
Nesta parte é reservado espaço inclusivamente divergências sobre o tema, quando existirem.
7.º Referências:
As referências são destinadas à exposição de toda a bibliografia utilizada pelo autor e cumpre duas finalidades fundamentais:
a) de possibilitar que outro pesquisador refaça a trajetória de estudo do feita pelo elaborador do texto para a verificação dos resultados, pois se o trabalho foi corretamente desenvolvido, qualquer cientista que refaça o percurso do elaborador do texto deverá chegar às mesmas conclusões.
b) a de servir de fonte de pesquisas para pesquisadores interessados no tema e como material indicado para o aprofundar no assunto estudado.
Toda a fonte objeto de pesquisa deve ser referenciada, sob pena de crimes contra propriedade intelectual e violações de direitos de autor e conexos.
Conclusão
Este é basicamente o caminho a ser percorrido pelo pesquisador na elaboração de um trabalho acadêmico, novamente chama-se a atenção para a busca de fontes mais precisas e referenciais mais apropriados como os livros que se seguem nas Referências deste texto.
Como o objetivo deste modesto trabalho é o de trazer alguns breves apontamentos e notas para o aprofundamento posterior, concluímo-lo com o desejo que tenha sido estimulante o suficiente para motivar uma busca por informações mais claras e mais precisas sobre o tema aqui abordado.
Tema este que mesmo sendo extremamente formal e por vezes até enfadonho para os menos iniciados, é de fundamental importância para uma produção acadêmica satisfatória, bem como um fator de organização de idéias indispensável ao sujeito que queira se tornar um pesquisador responsável.
Outro apontamento que fica nesta conclusão é que pesquisa só se aprende no gerúndio: pesquisando. Só a prática cotidiana da pesquisa é capaz de fazer do curioso, do inquieto um pesquisador profissional.
Pesquisa não se aprende com o mero ato do ensinar de um professor, por melhor pesquisador que este seja. O que faz um pesquisador é seu relacionamento direto com um objeto de pesquisa que realmente o estimule, o interesse e faça sentido para responder suas indagações pessoais íntimas, que envolva valores do pesquisador. Valor no sentido utilizado por Weber em Ciência como Vocação, como a valoração no ato da escolha, não que esteja sugerindo como Weber, que a Ciência pode ser produzida com neutralidade axiológica em um segundo momento, pois, não há como se concordar que possa existir neutralidade, seja em Ciência seja em qualquer atividade humana, porém este é um outro assunto, especificamente da epistemologia, que este texto não comporta, mas em outra oportunidade retomaremos para discussão.
Referências para leitura:
ADORNO, Theodor W. Epistemologia y ciencia sociales. Ediciones Catedra: Madrid, 2001.
ALVES-MAZZOTTI, Ada Judith e GEWANDSZNAJDER, Evandro. O método nas ciências naturais e sociais. São Paulo: Thompson Pioneira, 1998.
BARCHELARD, Gaston. A epistemologia. Edições 70: Lisboa, 2006.
____. A formação do espírito científico. Uma contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contra Ponto, 1996.
BLANCHÉ, Robert. A epistemologia. Lisboa: Presença, 1977.
CAPPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 2000.
ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Perspectiva, 2003.
FREIRE, Paulo. Considerações sobre o ato de estudar. In. Ação cultural para liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p.04-07.
____. Importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 2003
KOSYK, Karel. Dialéctica do concreto. São Paulo: Paz e Terra, 1969.
LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Mariana de Andrade. Metodologia científica. São Paulo: Atlas, 2003.
SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
WEBER, Max. Metodologia nas ciências sociais. São Paulo: Cortez, 2001.
* Nery dos Santos de Assis é graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Marília/SP - UNIVEM, Mestre em Ciências Sociais pela UNESP, Marília/SP e Professor Substituto de Direito no Instituto de Ciências Humanas e Sociais – ICHS, da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, Campus de Rondonópolis - CUR.